quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Nº 20.325 - "Que fizemos com as lições da ditadura?"

 

17/11/2016

Que fizemos com as lições da ditadura?

 

Brasil 247 - 17/11/2016 

 

Tereza Cruvinel

Eles eram 40 ou 50 e podem não constituir um movimento organizado mas isso não suprime a gravidade do fato.  As cenas da invasão da plenário da Câmara por exaltados de extrema direita, que encarapitados sobre o platô da Mesa Diretora gritavam por “um general aqui”,  falam de um país  surtado, desnorteado,  que nada aprendeu com os 21 anos de ditadura militar.  O ministro da Defesa Raul Jungmann acerta ao pedir uma punição exemplar para este ato que representa um crime contra o Estado Democrático de Direito mas discordo da primeira parte de sua avaliação:  “ É um fato que representa um total descompasso com o clima democrático  e com o papel constitucional das Forças Armadas “, disse o ministro.

A Constituição é clara quanto ao papel dos militares e eles têm sido, até aqui, irrepreensíveis em sua observância, mantendo-se distantes do caldeirão político, afora a infiltração mal esclarecida de um oficial do Exército entre manifestantes paulistas. Mas com o  “clima democrático”,  não há descompasso. Os exaltados que invadiram o plenário são o subproduto do golpe  e o resultado das doses maciças de veneno destiladas pelos alimentadores da crise que o  propiciou.  Se as elites políticas puderam arranhar a Constituição para derrubar uma presidente eleita e entronizar um governo sem voto, os intoxicados se sentem agora no direito de invadir uma casa do Congresso, pedir  a intervenção militar e um general no plenário, substituindo o que não honram a vontade popular.
 
Os vivas a Sergio Moro, no início da invasão, reiteram que o combate à corrupção, instrumentalizado para derrubar o governo petista e desmoralizar a esquerda, transformou-se no combustível da extrema direita, dos intolerantes, dos autoritários, dos que renegam a democracia. Fatos como o de ontem mostram que o país esqueceu as lições da ditadura, ou não aprendeu nada com todos os sofrimentos que ela nos impôs.  Não cultuamos a memória e a verdade o suficiente para comprometer as novas gerações com o legado da democracia. O Brasil, diferentemente do países vizinhos que enfrentaram ditaduras - e até  por conta de sua transição pactuada e conciliadora – descuidou da educação política, não produziu vacinas democráticas, não puniu os criminosos da ditadura e aí está o resultado. Há gente pedindo novamente que o cassetete substitua o voto, e depois disso vem sempre a tortura, a censura, a força bruta, o cálice.

A esquerda, que por ter pegado em armas é sempre acusada de não ter lutado pela democracia mas para impor outro tipo de ditadura, pagou caro e aprendeu muito mais, tornou-se mais democrática. Os liberais, os conservadores e a direita, não. Na primeira crise política grave após a redemocratização,  não hesitaram em torcer as leis para forjar um golpe com nome de impeachment. Aí está o resultado.

Jugmann pediu punição exemplar mas li que, depois de prestaram depoimento à Polícia Federal, seriam todos liberados. Li também que a polícia legislativa constatou que havia pessoas armadas no plenário. Lembro o artigo quinto da Constituição, que tem um inciso claro sobre insurgências desta gravidade:
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

Sem punição exemplar, sabotar a democracia vai se tornar corriqueiro. E mais exemplares que estejam sendo os militares, água dura em pedra dura, uma hora fura.

Tereza Cruvinel. Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

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