sexta-feira, 24 de abril de 2015

Contraponto 16.567 - A legalidade ou um jogo de truco?"

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24/04/2015         

A legalidade ou um jogo de truco?


O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora, tão confiante na cumplicidade da mídia, não hesitava em ver o que as imagens da câmera negavam



Carta Maior - 23/04/2015


por: Saul Leblon


Augusto Dauster/Ajufe
Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.

O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual, aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.

Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de comungarem um singular método Paraná de investigação nessa  sua cruzada como  paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na primeira página da Folha de São Paulo.

Armados de uma sentença --como os títulos prévios da mencionada revista--, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.

Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da meada se resume a um juízo de valor:  a corrupção no Brasil nasceu --e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba— junto com o PT.

A última e mais desconcertante  evidencia de que a Nação está ao sabor desse jogo de cartas marcadas (leia a cortante análise de Maria Inês Nassif; nesta pág) em que a investigação cumpre papel acessório  à sentença, foi  a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e da nora, Marice Corrêa de Lima.

Quatro dias após à prisão da nora de Vacari , em 17/04 –antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as 48 horas em que se encontrava  em um Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua detenção.

Justificando-a, em pomposa declaração à mídia,  praticamente  sentenciou a investigada.

"Embora Marice não tenha sido identificada nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)

O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete preconcebida.

Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que  atribuía  à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).

Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo ‘método Paraná’.

No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida ‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".

O ‘método Paraná’ de investigações sustentava  que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari, Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos  da ordem de R$ 10 mil mensais.

As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em caixas eletrônicos.

O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que  aparece em uma agência bancária, efetuando um depósito.

“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de “mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos)  feitos até março de 2015”, diziam os procuradores, segundo o portal Globo.com.

Em depoimento à Polícia Federal, Marice , em vão, afirmou não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.

Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto decifrado.

“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com outros investigados nesta operação".

O juiz Sérgio Moro foi alpem.

O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.

No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no escândalo do Mensalão.

Vai por aí o ‘método Paraná’.

Atire primeiro.

Pergunte depois.

O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste caso  desmentem o  preconcebido de forma clara, serena e ostensiva.

Será apenas um ponto fora da curva na Lava Jato? Ou a síntese de um ambiente condenatório embalado pela cumplicidade irrestrita daqueles que em vez de arguir  incensam o flerte com o arbítrio?

Agora se sabe , da boca do próprio juiz Moro,  que Marice não era a mulher dos  vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima" (Globo.com 21/04)

A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de Curitiba.

E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.

Mas de tal forma confiante no silencio obsequioso da mídia aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das fotos que as contradiziam.

E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das evidências.

Nada disseram os colunistas da indignação seletiva  nas longas, constrangedoras últimas 48 horas em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está nu, o rei está nu’.

Foi preciso o próprio rei admiti-lo para  jornalismo genuflexo, de novo, endossa-lo.

As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (nora) são parecidas.

Mas não são iguais.

Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a nora condenada pelo ‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.

Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria Giselda.

Só Moro não via –ou não podia ver sem ter que descartar mais uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o  PT ao inferno, a Petrobras ao fundo do pre-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou pelo menos tenta-lo  até 2018,  quando então, os bobos da corte que hoje elogiam a seda fina de seu traje invisível   vestiriam outro monarca para catapulta-lo ao trono do Brasil.

Erros acontecem.

Evitá-los é o dever de todos.

Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulforosa sofreguidão dos que antepõem aos fatos - e às fotos -  a sua opção política,  temerariamente envelopada em força de lei, como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.

O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.

Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste episódio ou em qualquer outro em questão.

Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos ilícitos  no metrô de SP ou no escândalo de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro  Alberto Youssef –esquecido pela monarquia de Curitiba--  Aécio Neves e a irmã desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.

Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.

Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.
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