domingo, 18 de dezembro de 2011

Contraponto 7057 - "Iraque: o fim de uma guerra baseada na mentira"

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Ilustração do ContrapontoPIG

Por Marco Antonio L

Uma guerra oficialmente declarada morta

Sáb, 17 de Dezembro de 2011 08:30

Pepe Escobar (de Bagdá), Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/ML17Ak02.html

Traduzido pela Vila Vudu

(Atenção: Essa reportagem conta o fim do filme. Pode estragar o suspense criado em editoriais do New York Times.)

BAGDÁ – Na 5ª-feira, o Pentágono declarou oficialmente morta sua “guerra ao terror” de US$3 trilhões (e aumentando) – com invasão, ocupação e destruição da nação iraquiana, com o país preparado para guerra civil (“guerra de baixa intensidade”) entre sunitas e xiitas e com o mundo muçulmano cofiando as barbas, sem entender que fim levou o Oriente Médio Ampliado [orig. Greater Middle East] do governo George W Bush.

Num bunker de concreto sem o telhado, no antigo aeroporto de Bagdá convertido em base militar, o chefe do Pentágono, Leon Panetta, elogiou os mais de um milhão de norte-americanos e norte-americanas, em uniforme militar ou com os uniformes das empresas de mercenários, pelo “notável avanço” em termos de morte e destruição que os EUA alcançaram nos últimos nove anos, mas reconheceu os graves desafios que o país, praticamente destruído, enfrentará.

“Permitam-me ser bem claro: o Iraque será testado, daqui em diante – pela al-Qaeda na Terra dos Dois Rios;[1] pela al-Qaeda no Maghreb; pela al-Qaeda na Península Arábica; pelos Talibã; pelo Irã; pelo Hezbollah; pela ditadura de Assad na Síria, pela China, pela Rússia, por Occupy Wall Street.

“Desafios ainda há, mas os EUA lá estarão, ao lado do povo iraquiano, com a quantidade necessária de mísseis Hellfire, para que os iraquianos surfem sobre todos esses desafios e construam um paraíso seguro e lucrativo para o neoliberalismo e as empresas norte-americanas.”

A cerimônia muda e para poucos contrastou fortemente com o espetacular “choque e pavor” de 2003, quando os EUA em transe, cegos pelas mentiras e mais mentiras publicadas na primeira página do New York Times, enviaram colunas e mais colunas de tanques do norte do Kuwait, e iluminaram os céus “como Natal”, nas palavras da CNN, para fazer a “troca de regime” e tirar do governo o ditador-do-mal Saddam Hussein.

Contadas as mortes até 6ª-feira passada, a guerra do Iraque custou a vida de 4.487 norte-americanos, com mais 32.226 norte-americanos feridos e aleijados em ação, segundo as estatísticas do Pentágono. Sobre vítimas iraquianas: o Pentágono não conta cadáveres não norte-americanos.

O clima geral da cerimônia de adeus, uma hora de duração, solene, emocional – oficialmente chamada de “Adeus, cabeças de toalhas”, mais parecia um toque de adeus, num clarim vacilante, gago, a guerra inventada para livrar o mundo de armas de destruição em massa que jamais existiram. E que termina sem o capítulo iraquiano do Império de Bases que o Pentágono tanto quis ter –, sobretudo porque os militares norte-americanos foram postos porta a fora pelo mal agradecido primeiro-ministro Nuri al-Maliki, do Iraque.

Apesar de a cerimônia solene na 5ª-feira ter marcado o fim oficial da guerra, o Pentágono, por via das dúvidas, ainda mantém duas bases no Iraque, com apenas 4.000 soldados, várias centenas dos quais estavam presentes à cerimônia. No auge da guerra, em 2007, durante a avançada do general David Petraeus, os EUA invasores e ocupantes tinham implantas no Iraque 505 bases, e mais de 170 mil soldados e soldadas.

Segundo os militares, os duros-de-matar que lá permanecerão são alvo, diariamente, de provas incontestes do perene amor que o povo iraquiano lhes dedica, amor que se manifesta, todos os dias, sobretudo por objetos explosivos improvisados, lançados contra comboios que viajam rumo sul, atravessando o Iraque, tentando chegar às bases no Kuwait.

Depois de as duas últimas bases serem fechadas, até 31 de dezembro, e de os últimos soldados dos EUA tomarem o rumo de casa, onde serão recebidos por desemprego amplo, geral e irrestrito, as regras de um obscuro acordo firmado com o governo de Bagdá asseguram que algumas centenas de soldados, temperadas com colheradas de espiões e mercenários, permanecerão no Iraque, trabalhando no prédio da nova embaixada dos EUA (maior que o Vaticano), como parte de um Serviço de Cooperação para Segurança, para dar assessoramento comercial em negócios extremamente lucrativos de venda de armas.

Mas, ano que vem, as negociações serão retomadas, para tentar que mais soldados, espiões e mercenários norte-americanos consigam voltar ao Iraque, para ampliar os lucros da ação.

Altos oficiais do Pentágono não economizaram palavras ao informar que, sim, o Pentágono sentirá muita falta, tanto do petróleo quanto do controle que os EUA não conseguiram assegurar para eles mesmos, até agora. E há também o caso daqueles jatos F-16s que Bagdá está sendo forçada a comprar; os F-16s têm de ser usados e bem usados, e não se admite que sejam largados lá, para fritar ao sol do deserto al-Anbar.

“Do ponto de vista de conseguirem defender-se de um traiçoeiro terrorista-de-bomba-na-cueca da al-Qaeda, os iraquianos terão capacidade entre limitada e mínima, falando francamente” – disse o general Lloyd J Austin III, comandante norte-americano em retirada do Iraque, em entrevista, enquanto mastigava um Big Mac.

A tênue cortina de segurança no Iraque aparecia aos olhos de todos, que viam um flotilha de aviões armados que sobrevoava a cerimônia, escaneando a superfície local à caça de agentes operadores da al-Qaeda infiltrados. Embora haja hoje muito menos violência no Iraque do que no auge da guerra sectária que os EUA construíram e promoveram em 2006 e 2007, muita gente ainda é morta diariamente, e os norte-americanos são alvos preferenciais dos seguidores do incendiário e popularíssimo clérigo xiita Muqtada al-Sadr.

Panetta reconheceu que “o custo foi alto – em sangue e dinheiro dos EUA, e também para o povo iraquiano. Mas aquelas vidas não foram ceifadas em vão – deram origem a um regime cliente dividido, segregado, absolutamente traumatizado. Só falta saber se será regime fantoche dos EUA, ou do Irã.”

Em abril de 2003, houve euforia entre alguns iraquianos, ante o sucesso da invasão norte-americana. Mas o apoio logo degenerou, depois de os Marines porem-se a atirar contra civis desarmados, cada vez mais imbuídos da convicção de que ali estavam em ação de ocupação hardcore – que fez recrudescer todas as rivalidades sectárias e religiosas locais.

Depois que os escândalos na prisão de Abu Ghraib mostraram o quanto os EUA faziam a festa e o bolo e curtiam muito, e envoltos todos no nevoeiro da guerra, sunitas e xiitas, simultaneamente, decidiram lutar contra a ocupação (os curdos pouco se incomodaram); e um grupo ligado à al-Qaeda encontrou a brecha de que precisava e pôs-se a explorá-la no seio da população sunita minoritária.

Apesar de, naquele momento, o grupo terrorista ter sido neutralizado, mediante várias missões de punição das Forças de Operações Especiais que incineraram vários líderes da al-Qaeda e de muitos sacos de dinheiro distribuídos entre as tribos sunitas, especialistas da inteligência dos EUA temem que, hoje, a al-Qaeda esteja ressurgindo no Iraque.

A ocupação norte-americana no Iraque também criou dificuldades extras, que minaram a capacidade dos EUA para fabricarem uma narrativa convincente do apoio dos EUA aos levantes da Primavera Árabe no início de 2011 – que surgiram em momento em que os EUA dormiam ao volante e pegaram-nos de calças curtas.

No final, o Pentágono foi chutado, esperneando e aos gritos, para fora das bases em território iraquiano, pelo governo iraquiano. Por todo o país, o fechamento daqueles preciosos postos, no que deveria ser um sempre crescente Império das Bases dos EUA, foi assinado num encontro a portas fechadas, sem alarido, durante o qual militares dos EUA e do Iraque assinaram documentos que dão ao Iraque o controle legal sobre as bases; em seguida, apertaram-se as mãos como ordena o protocolo e separaram-se rapidamente, sem que qualquer dos lados conseguisse disfarçar completamente o desprezo que todos sentiam, uns pelos os outros.

O Chefe do Comando do Estado-Maior dos EUA, General Martin E. Dempsey, do exército, foi duas vezes comandante da forças norte-americanas no Iraque desde a invasão, em 2003. Durante a cerimônia, Dempsey observou que só voltará ao Iraque, quando for convidado.

Contatados para esse artigo, iraquianos que queimavam bandeiras dos EUA em Fallujah – cidade que foi destruída pelos EUA no final de 2004, na operação para “salvá-la” – disseram, sem que nada lhes fosse perguntado, que Dempsey que espere sentado, para não cansar.

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[1] “Terra dos Dois Rios” (ar. Ardulfurataini Watan], foi o título do hino nacional do Iraque, desde 1981 até 2003. Depois da derrubada de Saddan, o governo iraquiano implantou outro hino nacional, Mawtini [NTs, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/Ardulfurataini_Watan].

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