quinta-feira, 22 de abril de 2010

Contraponto 2001 - "Os critérios da esquerda nas eleições"

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22/04/2010

"Os critérios da esquerda nas eleições"

Carta Maior - 22/04/2010

Emir Sader*

As referências estratégicas para uma análise de esquerda dos governos são a inserção internacional e o enfrentamento do neoliberalismo. A hegemonia imperial norteamericana e o modelo neoliberal são os dois pilares fundamentais de sustentação de um mundo violento e injusto.

A caracterização de governos latinoamericanos como progressistas ou de direita, vem daí. A liquidação da Alca – Área de Livre Comércio das Americas, que os EUA e o governo FHC tentavam impor ao continente e que foi derrotada com a participação decisiva do governo Lula – e a prioridade das alianças estratégicas com países da região – mediante os processos de integração regional, do Mercosul à Alba, passando pelo Banco do Sul, pela Unasul, pelo Conselho Sulamericano de Defesa, entre outros – e das alianças com o Sul do mundo – de que os Brics são a expressão mais clara – redefiniu o lugar do Brasil no mundo, conquistou mais espaços de soberania para que definamos de forma autônoma nosso destino.

Um governo de direita – como o de FHC e os propostos por Alckmin e por Serra – centrava nossa inserção internacional na aliança subordinada com os EUA e com os países do centro do capitalismo – os que foram colonizadores e agora são imperialistas e globalizadores -, nos distanciando da América Latina e do Sul do mundo – Ásia e África. É a política de um país como o México – cuja eleição, fraudada, do presidente atual, foi saudada por Alckmin na campanha de 2002, com o caminho que desejam para o Brasil e que levou à bancarrota atual daquele país, situação similar à que teríamos, caso tivessem ganho os tucanos naquela oportunidade.

Graças à derrota tucana, nos livramos da Alca, dos Tratados de Livre Comercio com os EUA e de termos atrelado nossa economia aos países que se tornaram os epicentros da crise internacional. Ao contrário, diversificamos nosso comércio exterior com o Sul do mundo – a China se tornou o primeiro parceiro comercial do Brasil, deslocando, pela primeira vez, os EUA dessa posição – e com os países da região.

Essa reinserção internacional é um dos avanços estratégicos que tem que ser considerados prioritariamente pela esquerda, cuja luta por enfraquecer a hegemonia imperial norteamericana e trabalhar por um mundo multipolar, é uma das marcas que a caracteriza como esquerda no período histórico atual.

Quando o candidato tucano fala em sair ou enfraquecer ainda mais o Mercosul – ainda mais quando a Venezuela ingressa -, em terminar com as alianças com o Sul do mundo para restabelecê-las – obrigatoriamente de maneira subordinada e vulnerando nossa soberania – com as potências centrais do capitalismo, não apenas quer restabelecer nossa posição subordinada e de perfil baixo no mundo, mas também retomar as condições da falta de autonomia para nossas políticas internas. Embora queira aparecer como continuidade do governo Lula – sabendo que, eleitoralmente, será derrotado, se aparecer como opositor frontal -, o candidato tucano vai deixando escapar o que realmente pretenderia fazer, caso ganhasse. A inserção internacional do Brasil seria radicalmente reformulada, em detrimento da prioridade de alianças regionais e com o Sul do mundo, vulnerando assim abertamente as condições de soberania, que são condição não apenas da nossa força externa, mas também da nossa autonomia para desenvolver nossas políticas internas.

Aqui entra o segundo ponto: a avaliação de políticas e de governos, conforme se coloquem a favor ou contra o modelo neoliberal. O governo FHC, depois do fracasso do governo Collor e da retomada do projeto neoliberal pelo governo Itamar, representou o mais coerente projeto neoliberal que o país conheceu, promovendo a desregulamentação e a mercantilização de forma generalizadas. Debilitou o papel do Estado em todos os planos, promoveu privatizações corruptas do patrimônio público, abertura acelerada da economia, proteção do capital financeiro, promoção das políticas de livre comercio no plano externo, exemplificadas no seu mais alto nível na promoção da Alca, precarização das relações de trabalho – com a maioria dos brasileiros passando a não dispor de carteira de trabalho -, entre outros atentados aos direitos sociais, à igualdade e justiça sociais, à democracia e à soberania do Brasil. Expropriou direitos em favor do mercado e da mercantilização, na educação, na saúde, na cultura, em tudo o que pôde.

O governo Lula freou o processo de privatizações – que teria avançado para a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, a Eletrobrás, caso os tucanos seguissem governando -, retomou a temática do desenvolvimento econômico, como central, aliada indissoluvelmente à extensão dos direitos econômicos e sociais da grande maioria dos brasileiros, situados na pobreza e na miséria, retomou o papel central do Estado na indução do crescimento econômico e da distribuição de renda, brecou o processo de privatização da educação, fortalecendo as universidades publicas, entre outras ações, todas na contramão do modelo neoliberal. Fortaleceu direitos, promoveu a desmercantilização, avançou na democratização das nossas relações sociais e econômicas, como nenhum outro governo tinha feito.

São essas duas referências que dão o caráter da candidatura da Dilma para a esquerda: reinserção internacional do Brasil, fortalecendo os processos de integração regional e as alianças com o Sul do mundo, e enfraquecimento do processo de mercantilizacao desenfreada promovido pelos tucanos, fortalecendo os direitos, a esfera pública, o papel regulador e indutor do crescimento e dos direitos sociais do Estado.

Quem se propõe a afetar a soberania do Brasil e a questionar ações centrais para a retomada do tema do desenvolvimento – abolida e substituído pelo do ajuste fiscal pelos tucanos -, tentando desqualificar o PAC, prega o maior retrocesso que o Brasil poderia ter hoje, retomando temas jurásicos como as alianças prioritárias com os EUA, o abandono dos processos de integração regional na America Latina e no Sul do mundo.

Daí a polarização entre o campo progressista e o de direita nas eleições deste ano. Qualquer postura que pregue a anulação das diferenças substanciais entre os dois campos, desconhece a realidade objetiva, tenta fazer passar seus desejos com a realidade, e a ameaça cometer de novo o gravíssimo erro estratégico de fazer o jogo da direita, ao considerar – como fizeram em 2006, que Alckmin e Lula seriam iguais, sem que tenham feito autocrítica, por exemplo, sobre o que seria do Brasil na crise, sob direção tucano-demista – de que em um segundo turno se absteriam. A definição da posição no segundo turno deve ser feita desde hoje – pelos candidatos da extrema esquerda, assim como por Marina -, e revela a inserção de cada candidatura no campo da esquerda ou não.

A vitória do campo popular permitirá impor uma derrota estratégica à direita, mandará para a aposentadoria uma geração de políticos de direita, abrirá espaço para a saída definitiva do modelo neoliberal e a construção de um país democrático, justo, solidário, soberano, ao longo de toda a primeira metade do novo século.


*Emir Sader. Sociólogo e cientista político

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