quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Contraponto 1200 - "2010: sem choro nem vela…"

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20/01/2010
2010: sem choro nem vela…

Do Blog do Favre - 19/01/2010

Colunista Antonio Delfim Netto* – VALOR 19/01/2010 - 11:37h

Hoje, todos sabemos que as “expectativas” formadas pelos agentes econômicos com relação à boa governança e à política econômica (fiscal, monetária e cambial) executadas pelo governo, são a base fundamental para o seu sucesso e o consequente crescimento robusto do PIB com equilíbrio interno e externo. Com relação à política monetária, isso foi aprendido mais cedo. Lentamente, os bancos centrais tiveram de deixar de ser o “templo dos segredos” (sacerdotes possuidores de uma “ciência oculta”) para se transformarem em instituições cuja independência, transparência e previsibilidade deveria dar-lhes a “credibilidade”. Esta seria capaz de induzir o setor privado e o governo a coordenar suas “expectativas” sobre a taxa de inflação, sob pena de verem frustrados seus objetivos:

1) se os sindicatos tentassem obter aumentos do salário real acima da produtividade, usando o poder de qualquer natureza (o poder de monopólio consentido pelo Estado ou escassez de mão de obra etc.), um aumento da taxa de juro real reduziria a taxa de crescimento do PIB e produziria desemprego;

2) se os empresários, usando o poder econômico (permitido pela falta de controle concorrencial por parte do Estado ou o excesso de demanda), tentassem um aumento da sua margem de lucro, um aumento da taxa de juros real cortaria a demanda e lhes imporia prejuízos;

3) se o Estado produzisse déficits, ele teria que colocar papéis da dívida publica (porque o Banco Central não pode financiá-lo diretamente) e a taxa de juro real aumentaria, porque o Banco Central se recusaria a financiá-lo indiretamente comprando-os à taxa de juro real vigente. Isso produziria: a) um aumento da relação dívida/PIB; b) um aumento das despesas de juros (e, logo, o corte do investimento público, o que reduziria a produtividade do setor privado); e, ainda por cima, c) uma redução do ritmo de crescimento do PIB, que levaria a uma queda da receita; e, finalmente;

4) a elevação da taxa de juro real tenderia a produzir (quando há liberdade de movimento de capitais), uma sobrevalorização cambial que desarticularia o setor exportador e reduziria, ainda mais, o crescimento do PIB.

Essas considerações sugerem que a política fiscal e a monetária têm um alto grau de dependência recíproca e devem, portanto, ser fortemente coordenadas. A estabilidade não pode ser obtida pela boa execução de apenas uma delas. Isso recomenda que a política fiscal tenha a mesma transparência da política monetária. Neste caso, a transparência é o respeito absoluto às boas práticas contábeis que, conhecidas pelos agentes econômicos, os leva a aceitar a honestidade do registro e os ajuda a formar a “expectativa” sobre o futuro da taxa de inflação e das despesas públicas.

É preciso lembrar dois fatos: 1) que as “expectativas” da taxa de inflação são o mais poderoso ingrediente da inflação realizada. Se a política fiscal não tem transparência, aquela “expectativa” se deteriora e a inflação esperada para amanhã se realiza hoje; e 2) que a resposta do Banco Central, para ser efetiva, tem que elevar a taxa de juros real, isto é, tem que aumentar a taxa de juro nominal mais do que aumento “esperado” (para amanhã) da taxa de inflação.

Um dos grandes avanços da transparência da política fiscal nos últimos 15 anos foi a consolidação das dívidas estaduais e municipais e a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal. O ano de 2009 foi ano atípico – a transparência fiscal foi emasculada (não sem razão), para a superação da crise financeira que importamos. Esse comportamento (contabilidade imaginativa) tende a dissociar a evolução da dívida líquida/PIB do da dívida bruta/PIB, o que não é nada recomendável. Uma dessas irresponsáveis agências de risco, cuja sapiência é sempre “a posteriori”, pode um dia destes fazer a graça de rebaixar o nosso “rating” e causar muita confusão.

Para o bom funcionamento da economia nos próximos anos é fundamental impedir qualquer “aperfeiçoamento” da Lei de Responsabilidade Fiscal, “objeto do desejo” de alguns parlamentares para atender seus prefeitos e governadores. Por outro lado, é imperioso eliminar os desvios impostos pelas dificuldades de 2009, que começaram a levantar dúvidas sobre a política fiscal.

Felizmente, uma excelente entrevista sobre esse assunto, concedida pelo competente Secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao “O Estado de S. Paulo” (9 de janeiro de 2010, pág. B4), é tranquilizadora a esse respeito. A orientação da política fiscal dada pelo presidente Lula, disse ele, é voltar ao normal depois do anticiclismo de 2009. Em 2010, vamos voltar ao normal, porque é o “adequado”. Para este ano, o objetivo (não a promessa) é produzir um superávit primário de 3,3% do PIB, sem choro nem vela…

*Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.

E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br

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