quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Contraponto 1034 - A energia de Itaipu e o Paraguai


23/12/2009
Itaipu: o êxito do acordo de 25 de julho de 2009

Cerca de 85% da eletricidade exportada atualmente na América do Sul vem do Paraguai. No entanto, o país é o único que não pode dispor livremente de sua própria energia (grifo do contraponto PIG).
O acordo firmado entre os governos do Paraguai e do Brasil no dia 25 de julho deste ano começou a mudar esse quadro. O governo Fernando Lugo conseguiu o que países como Argentina e Bolívia estão buscando há mais de um século, a saber, que suas contrapartes, Inglaterra e Chile, respectivamente, sentem-se à mesa de negociações para discutir os temas das Malvinas e da saída para o mar. O artigo é de Ricardo Canese, um dos principais negociadores paraguaios sobre Itaipu.

Ricardo Canese *

Cerca de 85% da eletricidade exportada na América do Sul vem do Paraguai. No entanto, nosso país é o único que não pode dispor livremente de sua energia. Esse percentual é um fato objetivo que demonstra o enorme peso econômico/elétrico que o Paraguai possui em toda a região e como, por desinteresse – para usar uma palavra suave – dos governos anteriores não podemos conduzir o processo de integração elétrica que ocorre na região, como nossa sólida posição de principal exportador elétrico nos permitiria fazê-lo.

A longa luta do povo paraguaio para recuperar sua soberania hidroelétrica converteu esse tema no principal aspecto programático em debate na eleição de 20 de abril de 2008. Foi um êxito de todo o povo paraguaio e, em particular, do Partido Popular Tekojoja, que soube fazer da soberania hidroelétrica o principal tema de discussão das últimas eleições. O governo encabeçado por Luiz Inácio Lula da Silva observou este fenômeno e um pouco antes da eleição, no dia 2 de abril de 2008, ao receber Fernando Lugo no Brasil, aceitou discutir todos os pontos reclamados pelo Paraguai. O êxito, até este momento, pode ser qualificado como histórico: muitos países, como Argentina e Bolívia, estão buscando há mais de um século que suas contrapartes, Inglaterra e Chile, respectivamente, sentem-se à mesa de negociações para discutir os temas das Malvinas e da saída para o mar. Até agora não conseguiram. O Paraguai, graças à clara reivindicação de seu povo em torno do tema de Itaipu, conseguiu isso em abril de 2008.

As reivindicações paraguaias podem ser resumidas em seis pontos: (1) soberania hidroelétrica, (2) preço justo, (3) dívida legítima, (4) co-gestão plena, (5) controle e transparência e (6) conclusão de obras previstas no tratado. As negociações iniciaram oficialmente no dia 17 de setembro de 2008 e foram extremamente difíceis. A primeira contra-proposta brasileira, de 26 de janeiro de 2009, falava apenas em elevar minimamente (duplicar) a compensação paraguaia de Itaipu, esquecendo os demais cinco pontos. A equipe negociadora, juntamente com o presidente Fernando Lugo, manteve-se firme na exigência de todas as reivindicações paraguaias e, assim, no dia 25 de julho de 2009, chegou-se a um acordo histórico: o Brasil reconheceu a soberania hidroelétrica paraguaia, envolvendo um prazo de 14 anos, e houve um avanço importante nos demais pontos. Este êxito é similar aquele obtido pelo Panamá na recuperação da soberania de seu canal, em 1977, no Tratado Torrijos-Carter, que permitiu que ela fosse concretizada em 1999, ou seja, 22 anos depois. Recuperar a soberania, ainda mais diante de um país mais forte e hábil, não é fácil (que o digam a Bolívia, em relação à reivindicação de uma saída para o mar, e a Argentina, em relação às Malvinas).

Além de estabelecer que, a partir de 2023, o Paraguai poderá dispor livremente de sua energia, o acordo de 25 de julho estabelece a triplicação da compensação (que passará de 120 para 360 milhões de dólares/ano) e a possibilidade de vender nossa energia a preço de mercado no Brasil, com o que se poderá obter o preço justo reclamado. O Brasil aceitou também que nossa Controladoria faça uma auditoria da dívida binacional de Itaipu (o primeiro passo imprescindível para reduzi-la até seu nível legítimo), outro fato histórico. Também aceitou, pela primeira vez em 35 anos, que a administração de Itaipu seja, de fato, binacional, estabelecendo a co-gestão plena. Além disso, serão executadas as obras pendentes, de modo que o Paraguai possa ter acesso técnico (subestação e rede de 500 kV, sem custo para o país) a sua própria energia e que a navegação fluvial não seja interrompida pela represa de Itaipu ao longo do rio Paraná.

Indiscutivelmente, trata-se de um acordo histórico, o que prova que a luta do povo conduzida com honestidade, patriotismo e firmeza, assim como com um alto conteúdo de solidariedade entre os povos (o povo brasileiro foi abertamente solidário com o povo paraguaio, como o demonstraram suas organizações sociais, solidárias em todo momento às reivindicações paraguaias sobre Itaipu), finalmente triunfa.

* Ricardo Canese é engenheiro, especialista em hidroeletricidade, Coordenador da Comissão de Entes Binacionais Hidroelétricos (CEBH) e um dos principais negociadores paraguaios sobre Itaipu.

Tradução: Katarina Peixoto
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